Eu não sou preconceituoso, mas...
(Fonte: Blog Um Livro Qualquer - Link abaixo)
Tenho vergonha de estar na presença - mesmo que virtual - de pessoas que fazem comentários preconceituosos. Tenho vergonha quando publico algo sobre amor e envolve um casal gay, e as pessoas fazem comentários preconceituosos na página ou aqui no blog. Tenho vergonha de saber que tais pessoas me seguem, mas, a verdade é que, quando escrevo sobre preconceito, escrevo para elas, em razão deles, e por acreditar que podem mudar. Ironia é ouvir que sou preconceituoso contra pessoas preconceituosas. Acreditem, já ouvi isso mais de uma vez, e nem explicarei aqui, a diferença entre preconceito e opinião, porque o assunto é outro: literatura.
Quando pisei no mundo da literatura, imaginei que encontraria pessoas mais esclarecidas e menos preconceituosas, isso porque o preconceito se funda na falta de conhecimento, ou, mais especificamente, no medo pelo desconhecido. Se você se depara com uma porta, e o lado de dentro está totalmente escuro, certamente você terá algum medo de entrar. Você não sabe o que há lá. Então seu corpo cria o pré-conceito de que lá pode existir algo passível de lhe ferir, para que você aja com cautela. E parece que sempre que lidamos com algo que não estamos habituados, nosso corpo age dessa forma.
Você está habituado a ver homens sem camisas na praia. Você está habituado a ver casais heterossexuais se pegando no shopping. Você está habituado a cruzar com adolescentes brancos de classe média na rua. De repente você uma mulher fazendo topless ou um casal gay se beijando ou um adolescente negro de classe baixa cruzando seu caminho enquanto caminha em direção à padaria. E isso não faz parte do seu mundo - faz parte do mundo, mas não do seu - E seu corpo reage alertando: há algo diferente no ambiente, aja com cautela. Assim está formado o preconceito. Afinal, você passou sua vida inteira escutando que o certo é o homem ficar com mulheres (veja a sutileza do singular com o plural), que mulheres não devem sentar de perna aberta e muito menos andar sem camisa, sem nunca terem lhe dito o porquê os homens podem e as mulheres não, e você viu na televisão, pobres e negros sendo presos e acusados por furtos e roubos e assaltados e assassinatos e estupros.
Dentro de uma sociedade machista, racista, preconceituosa e controlada pela minoria de uma classe social privilegiada, é difícil se desvencilhar dos nossos preconceitos do dia a dia. Você faz isso quando passa ultrapassa os limites do seu próprio mundo e conhece pessoas e ideias e universos diferentes do seu, e vê que há segurança e amor e seres humanos lá fora das suas fronteiras, e, também, quando deixa outros mundos colidirem e fazerem parte do seu. Assim o preconceito dá lugar à confiança em aceitar aquilo que é diferente.
E os livros fazem isso: submergem os leitores em mundos completamente diferentes dos seus, ampliando seus horizontes e limites deles próprios. Se você pode aceitar, achar fofo e torcer por um vampiro e um humano ou um zumbi e um humano ou um lobo e um humano ou uma fada e um humano ou uma sereia e um humano, ficarem juntos e serem felizes, por que não aceitaria dois humanos amando um ao outro na vida real? Se o seu herói era o garoto rejeitado da história, porque você não pode enxergar o potencial heroico daquele adolescente pobre e negro que cruza seu caminho? Se sua heroína é uma mulher forte, independente, que luta, porque agir com preconceito quando as mulheres são fortes e independentes e agem além do preconceito social?
Infelizmente, muitos leitores enxergam apenas palavras nos livros, mas ainda acredito que a literatura pode unir universos.
Fonte: Blog Um Livro Qualquer - http://umlivroqualquer.blogspot.com.br/2014/03/eu-nao-sou-preconceituoso-mas.html
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