segunda-feira, 7 de junho de 2010

Quando a gente morre no horizonte (Célia Musilli)




Ninguém sabe, mas me despeço de um pedaço de mim... Despeço-me de uma parte que não queria ir embora e , como areia na ampulheta, se derrama demoradamente... Nunca gostei de movimentos bruscos, mas a lenta agonia das partidas é triste como um transatlântico. Há coisa mais triste que um navio sumindo no horizonte? Grande e significativo, mas sumindo... Sonhei praias e enseadas, inventei um calendário onde só existia verão. Vieram as chuvas que apodrecem as uvas, as ondas trazem conchas onde já não existem moluscos, apenas a beleza de uma casca cintilante e vazia. É que o tempo se foi. Não planejei a passagem do tempo e, sem querer, acumulei a experiência de virar as páginas. O que era um movimento inexperiente e novo transforma-se num gesto repetitivo e sem emoção... Quantas páginas viramos até que se chegue ao fim da história? Quando a soma de tudo será chamada trajetória? A dos pássaros é curta e bela.

A passagem do humano sobre a Terra é uma pegada sensível. Desenho nas cavernas. Minha Lua encontrou-se seis vezes com seu Sol. Amei as nossas rotações e o tempo, por ser circular, quase me pareceu eterno. Mas parece que a roda gira de um modo estranho, rangem os eixos, há um ruído no atrito imaginário dos corpos. Ou o cumprimento do tempo será minha imaginação? A realidade desce sobre o sonho. Já não adivinhamos calor nem descobrimos, por baixo de certa indiferença, o pulsar que poderia ser acordado. Mas, neste tempo, desistimos de uma parte de nós, de mim, de você. As pessoas a quem amei nunca souberam o quanto as amei....

Ficaram no descompasso do afeto, do gesto que se aprisiona, da palavra que não se diz, do salto que não se dá...Emoções estáticas quando se queria uma corrida maluca, uma São Silvestre em que ninguém mediria esforço nem teria dúvidas. Mas vem o tempo, como a tocha que se conduziu de Atenas à América. Fomos quase campeões. O fogo é preservado, mas há colinas mal iluminadas que acabaram no escuro quando se queria clareza, claridade, a chama permanentemente acesa.

Eu queria - ah como eu queria! – saber como se ilumina o tempo de modo que nada se perdesse nos desvãos, como se o presente nunca engolisse o passado, num ato contínuo de encantamento que não termina. Mas vem o tempo e me despeço de mais uma parte de mim. Deixei tantas no caminho.



Texto: Célia Musilli

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